A mulher e a sombra
A aurora é uma mulher que surge da noite, de qalquer noite -essa treva que adormece os homens e os faz tristes. Só a sua claridade é amiga reveladora. Ao poeta mais pobre não seria dado desvendá-la em sua humildade extrema. O poeta Carlos, maior, mais simple, a revelaria em sua pulcritude, a surora que unifica a expressão dos seres, dá a tudo o mesmo silêncio e faz bela a miséria da vida:
Aurora
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que reapartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
Adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo fascista se descompõe ao contato de tues dedos,
teus dedos fríos, que ainda não se modelaram
mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é un óleo suave, as mãos dos sobrevivientes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
uma inocência, un perdão simples e macio...
Para uma menina com uma flor
Vinicius de Moraes
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