Tenho hoje arrastado pela rua os pés e o grande cansanço. Tenho a alma reduzida a uma meada atada, e o que sou e fui, que sou eu, esqueceu-se de seu nome. Se tenho amanhâ, não sei senão que não dormi, e a confusão de vários intervalos poe grandes silêncios na minha fala interna.
E, em meio disto tudo, vou pela rua fora, dorminhoco da minha vagabundagem, folha. Qualquer vento lento me varreu do solo, e erro, como um fim de crepúsculo, entre os acontecimentos da paisagem. Pesam-me as pálpebras nos pés arrastados. Quisera dormir porque ando. Tenho a boca fechada como se fosse para os beiços se pegarem. Naufrago o meu deambular. Sim, não dormi, mas estou mais certo assim, quando nunca dormi nem durmo. Sou eu verdadeiramente nesta eternidade casual e simbólica do estado de meia-alma em que me iludo. Uma ou outra pessoa olha-me como se me conhecesse e me estranhasse. Sinto que os olho também com órbitas sentidas sob pálpebras que as roçam, e não quero saber de haver mundo. Tenho sono, muito sono, todo o sono!
Fernando Pessoa
Fotografías de © Roque Soto
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