Monólogo tardio

eu gostava do cheiro da sua pele
eu gostava do tom da sua voz
do seu silêncio doce pela casa
e fui levando as horas de pavor
fui superando o pânico das crises
quatro utis em peregrinações
máquinas domiciliares de glicose
máquinas domiciliares de pressão
o açúcar e o sal comum escondidos
mas apesar dos sustos e dos riscos
contava que me esperava para sempre
sem aquela pele fria na manhã da segunda-feira
no sábado eu toquei teu braço ouvindo sua respiração
sem saber que ela já era uma despedida
eu falei até amanhã à uma hora
mas tu foste de manhã logo cedo sem me esperar
eu tremia e chorava e não conseguia
vestir a tua roupa no domingo de sol
agora voltou minha ciclotimia
o meu pavor total das pessoas banais
e ninguém para rir das pessoas de plástico
e eu já não tenho mais com quem conversar
todos os dias o meu monólogo tardio
ninguém para me ouvir com sublime paciência
ao chegar do trabalho exausta e deitar no sofá
I wish you were here
dancei e cantei Pink Floyd na sua sessão de saudade
e houve mesmo quem dissesse que você estava entre nós
a doença veio não se sabe de onde talvez hereditária
eu dizia tudo o que não é fatal tem que ser controlado
mas depois as complicações não se entenderam mais
saí da universidade no meio da aula de teoria literária
de táxi no engarrafamento atrás da ambulância do hospital
lembro da placa dos quase dois meses em Canaã
eu dando aula no intervalos das visitas sob as árvores
na Praça de Casa Forte em meio às luzes do outro natal
e antes fora em Olinda Bairro Novo no São Salvador
você estremecendo ao me ver e retomar a consciência
e eu tomando isso como prova de um grande amor
às vezes penso que foi tudo culpa mesmo da linguística
o nome Alfa era um aviso que eu não soube decifrar
regressão em estado Alfa vidas passadas o transe dos xamãs
passividade e pacificação clarividência telepatia premonição
mundo alfa estado intermediário entre o sono e a vigília
mundo alfa espaço sagrado onde habita a harmonia
mundo alfa começo de onde vem a fonte
você frente a frente com o seu fim
ontem entraram no apartamento dois passarinhos
e ficaram voando pela casa em contraponto
na véspera da sua ida entrara um passarinho doente
ficou no quadro da ponte do Porto e conseguiu sair
a casa está impregnada de você
a sua voz me chamando no mezanino
você vendo toda noite os noticiários de todos os canais
assistindo comigo documentários e filmes europeus
e ultimamente preferindo os nacionais do Canal Brasil
você um sociólogo resgatado do cenário underground
segurei trinta anos toda a carga da nossa vida prática
e empurrei sozinha até uma hérnia carros intermináveis de supermercado
protagonizando empregos difíceis e causando estranheza ao senso comum
trazendo sempre para casa uma comida diferente ao voltar do trabalho
ainda que fosse a quilômetros de distância e descesse tarde da noite em estradas escuras
foram tantos os momentos e lugares onde desperdicei beleza e energia
eu que vestia as nossas filhas no Recife com roupas de Renoir
passeio agora com elas e os netos de Boa Viagem a Piedade
de Casa Forte à Cidade Universitária e ao Paço Alfândega
de Porto de Galinhas à Praia dos Carneiros e a Itamaracá
antes que recomecem todos suas viagens à Suécia e ao Ceará
e fico sem remédio na mesma cidade da minha infância solitária
com a mesma velha máquina de sonhos cotidianamente a me percorrer
caminho triste nesta casa e não sei o que irá me acontecer



Monólogo tardío


a mí me gustaba el aroma de su piel
a mí me gustaba el tono de su voz
de su silencio dulce por la casa
y fui llevando las horas de pavor
fui superando el pánico de las crisis
cuatro utis en peregrinaciones
máquinas domiciliares de glucosa
máquinas domiciliares de presión
el azúcar y la sal común escondidos
pero a pesar de los sustos y los riesgos
contaba que me esperaba para siempre
sin aquella fría piel en la mañana del lunes
el sábado yo toqué tu brazo escuchando tu respiración

sin saber que ella era ya una despedida

yo hablé hasta la madrugada a la una
pero tú te fuiste de mañana sin esperarme
yo temblaba y  lloraba y no conseguía
vestir tu ropa en el domingo de sol
ahora volvió mi ciclotimia mi pavor total a las personas banales
y nadie para reír de las personas de plástico
y yo ya no tengo con quién más conversar
todos los días mi monólogo tardío
nadie para escucharme con sublime paciencia
al llegar del trabajo exhausta y echarme al sofá
I wish you where here
bailé y canté Pink Floyd en tu sesión de saudade
y hubo también quién dijo que tú estabas entre nosotros
la dolencia vino no se sabe de dónde tal vez hereditaria
yo decía todo lo que no es fatal tiene que ser controlado
pero después las complicaciones no se entendieron más
salí de la universidad en medio de la clase de teoría literaria
en taxi por el embotellamiento atrás de la ambulancia del hospital
recuerdo la placa de los casi dos meses en Canaán
yo dando clase en intervalos de visitas sobre árboles
en la Praça de Casa Forte en medio de las luces de otra navidad
y antes fuera en Olinda Bairro Novo en São Salvador
tú estremeciéndote al verme y retomar la consciencia
y yo tomando eso como prueba de un gran amor
a veces pienso que fue todo culpa de la lingüística
el nombre Alfa era un aviso que yo no supe descifrar
regresión en estado Alfa vidas pasadas el trance de los chamanes
pasividad y pacificación clarividencia telepatía premonición
mundo alfa estado intermedio entre el sueño y la vigilia
mundo alfa espacio sagrado donde habita la armonía
mundo alfa comienzo de donde viene la fuente
tú cara a cara con tu fin
ayer entraron en el departamento dos pájaros
y se quedaron volando por la casa en contrapunto
en la víspera de su partida entró un pajarito enfermo
se quedó en el cuadro del puente de Porto y consiguió salir
la casa está impregnada de ti
tu voz llamándome en el tapanco
tú viendo toda la noche los noticieros de todos los canales
mirando conmigo documentales y películas europeas
y últimamente prefiriendo los nacionales de Canal Brasil
tú un sociólogo rescatado de la escena underground
retuve treinta años toda la carga de nuestra vida práctica
y los empujé sola hasta una hernia carros interminables de supermercado
protagonizando empleos difíciles y causando extrañeza al sentido común
trayendo siempre para casa una comida diferente al volver del trabajo
aunque fuera a kilómetros de distancia y descendiera tarde por la noche en calles oscuras
fueron tantos los momentos y lugares donde desperdicié belleza y energía
yo que vestía a nuestras hijas en Recife con ropa de Renoir
paseo ahora con ellas y los nietos de Boa Viagem a Piedade
de Casa Forte a Ciudade Universitária y al Paço Alfândega
de Porto de Galinhas a Praia dos Carneiros y a Itamaracá
antes que recomiencen todos sus viajes a Suecia y a Ceará
y quedó sin remedio en la misma ciudad de mi infancia solitaria
con la misma vieja máquina de sueños cotidianamente en mi andar
camino triste en esta casa y no sé lo que irá a suceder.



In Casta maladiva


Lucila Nogueira




Obras de © Storm Elvin Thorgerson




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