Morar no Rio

Rio de Janeiro, trompas ligadas, problemas nenhuns, liberdade, liberdade. Mas no começo foi uma merda e pensamos até em morar em outro lugar, chegamos a viajar, pensamos em Paris, pensamos na Provença, pensamos numa ilha do Mediterrâneo, mas acabamos ficando no Rio e tudo foi se acertando aos poucos. Eu não concebo outro lugar para morar que não o Rio, apesar de tudo o que fazem para acabar com ele, notadamente os cariocas mesmos. Mas só é possível morar, morar mesmo no Rio. Você veja, eu adoro São Paulo, acham até estranho, mas é verdade, adoro. As paulistas são fogosas, os paulistas são bons amigos e, quando fodem, fodem moito bem, basta você desenvolver o paladar. E o interior de São  Paulo também tem muita coisa ótima, é surpreendente. Mas eu só quero morar no Rio, nem pensar em sair daqui. E olhe que eu sou baiana e, como todo baiano, criada com preconceito contra carioca. Baiano tem preconceito contra todo mundo, aliás, quem quiser que pense que entra mesmo em casa de baiano, porque não entra. Tem aquele oba-oba todo, meu irmãozinho, meu amor, meu idolatrado, meu rei, tudo o que é meu é seu, minha mulher é sua, meu marido é seu, minha bunda é sua, mas quem quiser que pense que entra, porque não entra, só um ou outro, salvando-se uma alma no purgatório. Baiano acha não-baianos seres incompreensíveis, perigosos e conspiratoriais. Observe: fora do território deles, eles podem se detestar mais vivem se elogiando.

A casa dos budas ditosos
João Ubaldo Ribeiro


Fotografías de Fernanda Torres na representación do monólogo de A casa dos budas ditosos




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