Há demasiada beleza em ti

conheci-te, ainda tu desenhavas
corações de giz
nos muros da escola velha.

nesse tempo, deus existia ainda
e tudo quanto era frágil respirava
loucamente.

havia sempre música
para os cleptomaníacos do amor
cada menina, uma canção.

os rapazes cresciam
com olhos prateados
e totens erguidos nas dunas.

debaixo da saia das raparigas
havia flores rasgadas
e sonhos de cavalos livres.

tão jovem, só o vento
e a revolução
que, beijo a beijo, construíamos.

toda a beleza desse tempo adormece
em mim, a sua corola intacta,
num outono de pássaros mortos.

e é por essa beleza que hei de ir
ao encontro do vento
e de ti,

para te devolver a inocência,
a labareda, o perfume azul
do lilás,

e o olhar de todas as meninas
que erradamente amei
em vez de ti.

João de Mancelos

Fotografías ® David Hamilton

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