MEMÓRIAS QUE NADAM COMO CAVALOS

 

Um marinheiro=Dous marinheiros

Mãe, amiguei-me de um marinheiro
e agora vou com ele para terra,
Peço-te que enquanto isso te mantenhas à superfície
ou que venhas a ela sempre que possas,

Trouxe-me um girassol,
O caule e o pulso seguro
pareciam um só

É um marinheiro terra-tenente
que me diz que o mar parece um deserto,
e agora fui comprar linha dourada
e faço um lenço bordado para lhe dar –
Mãe, ele vai para terra firme, para o meio da terra firme,
Uma cidade perigosa, os vícios humanos, drogas, tentações,
passo o dia a costurar a renda no lenço:
os três pastorinhos, uma aparição mariana, os doze passos da vida de Zapata,
todas as figurinhas que me ensinaste a bordar,
Não faltará uma pomba com as duas patas partidas
– Símbolo de quê? – Vai perguntar o meu marinheiro,
sou um Coala mãe e ele é uma árvore, e então abraço-me a ele,
e o tempo passa e passa até que um cartógrafo venha fazer um mapa do tempo que
será a nossa toalha, na nossa mesa da cozinha,
a casa humilde mas aportuguesada onde todos serão bem-vindos e
onde haverá pão para todos,
um pão para 5 ou um pão para 50, mas sempre um pão,

Sei que sou agora também um marinheiro
porque um marinheiro é sempre igual a dois marinheiros,
Espera uma carta minha, nela vou-te contar tudo
o que se passa nesse mar onde agora caminhamos,
esse estranho mar cheio de pó, pode ser o Arizona, Oaxaca ou o vale de Arouca,
mãe, um dia, eu e o marinheiro
que também sou eu vamos nadar até ao meio dessa água,
enquanto isso peço-te: não te deixes ir ao fundo,
vamos levar um pequeno coala
e a árvore a que se agarra
com sangue de pirata e seiva de pirata
Também dentro dele a música vai bombear o sangue para todo o corpo,
Vais-lhe segurar os dedos finos, as tuas memórias já lhe estão ancoradas no peito,
dentro dele memórias que nadam como cavalos marinhos no sangue azul da nossa família sem nome ou história,
vais ver nos olhos dele os olhos da tua mãe e nas palavras dele um eco que dança.
Peço-te Mãe, enquanto estiver em terra firme, não te deixes ir ao fundo…
Vai-te trazer uma caixa, lá dentro um girassol, uma granada e duas asas, enquanto isso, anda à superfície muitas vezes:
 
Que te puxe uma memória do Futuro,
Que te puxem uns olhos que também são teus.
Nuno Brito
Gravados de Ricardo Baroja

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