MAS VOU PASSAR ELE NA CARA HOJE MESMO

 

Noa Noa

Outro dia, ou melhor, outra noite, estava eu sentado na minha sala diante de uma bela reprodução de Gauguin, comprada aqui em Montevidéu. A reprodução fica sobre a lareira, no centro da sala, e representa duas lindas vahinés taitianas, com os seus pareos coloridos, posando para o dramático pintor, contra um fundo verde-amarelo de vegetação. A moça da esquerda (vista pelo observador) traz nas mãos uma cestinha de palha cheia de flores de um laranja-avermelhado, sobre a qual parecem repousar também seus esplêndidos seios nus. Mira ela o pintor com um ar de um tal mistério (ou será de uma misteriosa malícia?) que dá para a gente ficar pensando... À direita do quadro, sua jovem companheira, também olhando de meio-perfil para o pintor, parece ter acabado de segredar-lhe alguma coisa. 

Que estariam elas dizendo? Olhei-as bem, em sua curiosa postura, e ao fim de dez minutos, não tive nenhuma dúvida. A vahiné da direita segredara à sua amiga: 

- Ele é divino, você não acha? 

- Ora se acho! 

- Você já... 

- Ainda não. Mas vou passar ele na cara hoje mesmo, ah, isso eu vou! 

- Depois você deixa eu dar uma voltinha? 

- Psiu... Cuidado que ele está olhando para cá... 

- Ah deixa... 

E ninguém precisou torcer o braço de Gauguin para ele ter mais uma adorável noite taitiana...


Para viver um grande amor
Vinicius de Moraes

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