CONTRA UM PAÍS BURRO

Usina nuclear

Sobrevivi às tias, ao mar e ao cânone
à cantada gutural e seca dos macacos
ao disparo do canhão e às mazelas
dos gatos. E franzindo a sobrancelha
sobrevivi também ao fervor copulativo.
Comprei cactos, vassouras, panelas.
Sou um erro do sistema, “uma usina
nuclear”, disse ele gracejando. Afinal
sobrevivi à nação do eterno ontem e
em silêncio, corroborei o receio
dos inimigos: um grito sem volta.
Como sobrevivi, não importa:
talvez em silêncio, talvez cantando.
Aborrecida, não pude senão, furiosa
agarrar-me ao tempo, trepar as costas
largas dos deuses. Sobrevivi também
ao pater familias e ao braço, inquieto
colossal e farto da escrita. Aqui estou
entre a tradição e a voz, escrevendo
contra um país burro. Impossível
na verdade, roçar a língua na palavra
lúcida, e responder: como sobrevivi
a este braço potente que é a extensão
de um corpo teso, quadrúpede dizendo
e insistindo, mais do que tudo crendo
na bizarrice do poema primo e cintilante?

Patricia Lino

Fotografías de fototelegraf.ru

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